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Entrevista: Véio – madeiro de grife

Por Ronaldson Sousa

Da matéria dura e lenhosa das matas, dos resíduos da devastação ambiental, ele impõe sua ação mágica de transformação. Mãos talentosas desbastam e sulcam o lenho sertanejo até gerar fantasia, colocam toques de cor e sonho criando a riqueza da sua arte. Assim Cícero Alves dos Santos personaliza sua imaginação e imprime sua marca na madeira – eis a assinatura: Véio. Mais de 70 anos, o escultor traz no semblante a força do sertão e a pureza do verdadeiro artista. Nunca se moldou a tendências, nem se deixou levar por modismos ou imposição de encomendas. Sua marca é original e desde o nascedouro, com a força inconsciente e intuitiva da criatividade maior, já destinava abrir caminhos das caatingas para o mundo. Elevado à serenidade e austeridade de uma braúna, Véio tornou-se referência e grife de sucesso.

Em meio ao entusiasmo das descobertas pelo mundo, do frenesi de galeristas que o veem como nova mina de ouro e a indiferença entre os seus, Véio abre pujantes e tortuosas trilhas no difícil e competitivo mundo das artes visuais. Ainda reclama de mais acolhimento para suas peças na sua terra natal, tem sugestões originais de empreender turismo cultural no sertão e continua trabalhando, trabalhando muito.

No roteiro de idas e vindas, do interior para a Grande Aracaju e vice-versa, instalou um novo ateliê na casa de dois pavimentos na Barra dos Coqueiros com um tesouro de peças. Muitas delas despontam em revistas renomadas e nos ambientes mais requintados do design e arquitetura contemporânea. Em entrevista exclusiva para a ArteAmbiente, o artista recebeu Ronaldson Sousa em sua residência, pertinho do mar, para um bate-papo muito especial e revela um sonho.

ArteAmbiente – Hoje o senhor é um artista consagrado com visibilidade internacional. A que se deve seu sucesso?

Véio – Creio que foi a minha disposição, a minha força de vontade, de sair como uma cobra se arrastando e consegui, não só aqui no meu estado, no meu país, mas lá fora; acho que conseguir um reconhecimento onde a gente está, aqui, é normal. Mas quando você faz exposições lá fora em outros países, quando você volta já é autoridade. Eu não vejo isso, mas creio que o meu sucesso é de acordo com aquilo que eu crio com a minha imaginação.

ArteAmbiente – Como o senhor definiria sua arte hoje, após 70 anos de atividade?

Véio – Olha, a visão em nosso Estado que sabemos que é o menor e nós não temos grandes colecionadores de arte (dos sergipanos), o que defino é que no meu trabalho eu procurei trazer o que imagino, não é o que o povo gosta. E se tornou um trabalho aceito e valorizado, não só em Sergipe mas pelo país e fora também. Então eu tenho essa honra de dizer que meu trabalho foi por minha criatividade e pelas minhas inspirações.

 ArteAmbiente – Véio faz obras por encomenda?

Véio – Não. Eu sempre digo que trabalho pra mim. Não importa se o visitante ou cliente diga: “olha que coisa feia ou que coisa bonita!”. Não, o que importa é o que eu faço. E se entender que é bonito, parabéns; se achar feio, parabéns também. O que eu faço é consciente que é uma coisa pra mim. Não é uma coisa para o comércio. Se alguém achar que deve adquirir, então nós vamos conversar.

ArteAmbiente – O design de interiores vem agregando suas peças coloridas, compondo ambientes arrojados em edições nacionais como a revista Casa Vogue e agora a nossa ArteAmbiente. Como o senhor vê seu trabalho na arquitetura e nessas publicações?

 Véio – Eu vejo o meu trabalho assim com o reconhecimento da beleza que faço e também que os outros veem num ambiente daquele, onde se não tivesse uma obra com tanta beleza ficava em branco. Então é uma importância muito grande e parabenizo não só essas revistas, mas todos esses movimentos que estão fazendo no sentido de mostrar os valores e os artistas que estão esquecidos, muitas vezes sem ninguém reconhecer.

ArteAmbiente – O senhor consegue colocar cor e forma nos vestígios da natureza, à sua maneira, cria sua fantasia no que passa despercebido pelo olho comum. Alguma vez pensou mudar sua forma de se expressar?

Véio – Não, porque as cores sempre digo que é uma imaginação minha naquele momento e que pode ser admirado por outras pessoas. No caso das cores, por exemplo, se eu for fazer uma árvore, ou um pássaro, esse pássaro tem branco, tem preto, tem amarelo, então se quer definir o que você faz, a cor daquele elemento (o pássaro) tem que usar.

ArteAmbiente – Tudo é inspiração da natureza ou às vezes é só da sua imaginação?

Véio – Se você quiser fazer um trabalho totalmente como eu faço, diferenciado, então é assim: eu faço um pássaro, um bicho. Perguntam: “que bicho é esse que eu nunca vi?”; eu digo: “é o bicho que você nunca viu porque eu crio a forma que eu imagino, não é a forma da existência porque não existe. É uma fantasia minha”.

ArteAmbiente – Homem sertanejo, Véio faria uma arte diferente se não tivesse nascido em chão de Nossa Senhora da Glória (SE)?

Véio – Eu creio que sim porque é dom. Então não é coisa que eu aprendi na escola, nem com os outros. Se eu for pra qualquer espaço, a Marquês de Sapucaí e tiver aquelas mulatas dançando, eu faço uma peça com referência ao sertão, exemplo: uma mulher com o pote na cabeça e se eu tiver no sertão, eu posso fazer as bailarinas que estão sambando lá na Sapucaí. O lugar não importa.

ArteAmbiente – Na sua casa vemos muitos certificados e honrarias, da Academia de Letras de Glória e outras entidades. O que achou do título de Doutor Honoris Causa que recebeu da Universidade Federal de Sergipe em março deste ano?

Véio – Olha, para o currículo é importante porque o pessoal se vale muito pelo currículo. No meu caso, na arte, eu achei um reconhecimento merecido. Mas que na verdade o que eu faço e fiz não era pra tá preocupado com esses certificados não. Ele vem por acaso, como um transporte, pode vir ou não. Mas é uma coisa que eu valorizo porque é um reconhecimento da universidade, mas eu acho que deixa uma falha porque nenhuma universidade nunca me chamou para fazer uma palestra.

Arteambiente – Você é representado por quais galerias do Brasil e do exterior?

Véio – Eu me tornei artista e sempre levei no meu pensamento que aqueles que se dedicam a ser exclusividade de galeria e de galerista não têm voz e nem a vontade dele é colocada. Então eu levei a minha vida como artista sem essa participação. Teve algumas galerias que apresentaram meu trabalho. Mas eu vi uma exposição que foi feita nos Estados Unidos e eu tava no sertão de Glória. Então um amigo me deu parabéns, fiquei surpreso e aí eu vi que estava acontecendo essa exposição em Nova Iorque, onde os galeristas nem comunicaram ao artista.

ArteAmbiente – Isso parece um desrespeito, ou falta de habilidade, mas seu trabalho já foi exposto no Itaú Cultural, também em Paris, em nenhuma dessas você tomou conhecimento ou foi convidado a estar presente?

 Véio – A de Paris foi a Fundação Cartier, que investiram em Véio para fazer essa exposição. A de São Paulo foi descoberta através de uma curadoria buscando os melhores trabalhos do país e encontraram o nome de Véio como o maior criador de arte dentro do país (o artista expõe um troféu do Itaú Cultural na sua estante, entre outros). Fizeram esse trabalho com essa exposição que ocupou os três pisos com mais de 3 mil peças. Como eu estava entre os maiores criadores, tive que mostrar também o meu acervo. Foi um sucesso grande nesse sentido, mas foi o Itaú Cultural que buscou fazer tudo isso sem intermediários.

ArteAmbiente – Graças a esse destaque, essas peças estarem circulando, elas ganharam visibilidade, valorização e consequentemente preço.  Isso chegou a mudar financeiramente sua vida?

Véio – Não, pelo seguinte, como eu disse o galerista, o cliente quer a peça. Vou dar um exemplo: eu passei uma peça para um galerista por 3 mil reais. A galeria vendeu por 30 mil. O proprietário da peça que é um grande colecionador, de alto poder aquisitivo, ele enjeitou 100 mil na mesma peça, ele não vendeu. Quem vê não sabe que Véio vendeu por bem menos (2 mil, 3 mil). Então essa parte de visão, Véio tem o nome, tem as peças, agora a forma apurada é para os galeristas e para aqueles que adquiriram a peça e colocam no mercado.

ArteAmbiente – Então é melhor adquirir diretamente ao senhor, comprar por um preço bem mais em conta?

Véio – Essa é a minha imaginação e de todos os artistas que sabem o que tão fazendo. É você passar o seu trabalho para a mão do apreciador e do colecionador. Não só do vendedor que vai comprar com o objetivo de passar pra outro. Então meu trabalho é visto dessa forma, pra mim é importante e continua sendo. Agora… em termos de capitalismo eu continuo o mesmo Véio, só com mais idade (risos).

ArteAmbiente – O senhor recebeu convite para participar da 1ª Semana de Arte, Design e Arquitetura de Aracaju – SADA com o arquiteto e designer Wesley Lemos, com uma exposição e um talk na loja Le Vanille Casa. O que achou da experiência e do convite?

Véio – Foi muito bom porque a gente se baseia muito em órgãos governamentais e lá (na SADA) não era. Era uma coisa muito séria, tinha os convidados e os donos. E ninguém sabia quem eram os donos porque todos eram iguais em termos de cultura, de arte e de interesse. Então foi um convite assim, como eu senti: “nós estamos em casa e com a família que representava a arte, então todos ali eram irmãos. Acho que o convite veio numa hora boa, a gente vê grandes galerias que não fazem isso, escondem e muitas vezes não mostram a voz do artista, apenas a qualidade do que ele faz sem falar nem reconhecer o nome.

ArteAmbiente – Se não fosse artista, um escultor, o que Véio seria?

Véio – Eu penso que se não fosse artista, o meu sonho de criança e adolescente era um representante de palco, meu sonho era ser palhaço.

ArteAmbiente – Então tem tudo a ver com a temática da sua próxima exposição.

Véio – É, justamente porque vejo a arte do palhaço, ele vai divertir os outros, vai fazer rir muitas vezes, acho até que sente vergonha de dizerem “olha, ali é um palhaço”! Então ele pinta a cara que é para não ser reconhecido como pessoa, mas sim como animador. Como artista do humor, o palhaço é a coisa mais importante que existe nesse nosso país.

Legendas:

Foto 01 (principal) – Cícero Alves dos Santos, o Véio. Foto Renato Valle

Foto 02 – Itaú Cultural SP. Foto Itaú Cultural

Foto 03 – Museu de Arte Moderna do RJ. Foto MAM

Foto 04 – Museu Casa dos Contos, Ouro Preto – MG. Foto Julia Katiene

Foto 05 – Sesc Santo Amaro – SP. Foto Sesc Santo Amaro

Foto 06 – Cartaz de exposição em Veneza, na Itália. Foto Galeria Estação

Foto 07 – Intervenção artística na loja Le Vanille Casa na 1ª Semana de Arte, Design e Arquitetura de Aracaju – SADA

Foto 08 – Exposição intitulada “Entre a Arte e Design – Um diálogo entre as obras de Véio e Oscar Niemeyer”, realizada na nova sede da ETEL em Milão em 2018. Foto Etel Milão

Foto 09 – Série Palhaços. Ano 2023

Foto 10 – O pecado, Ano 2024

Foto 11 – Presépio. Ano 2019

Foto 12 – A imagem. Ano 2024

Foto 13 – Dois pássaros. Ano 2019

Foto 14 – Série Corujas. Ano 2024

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